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A polêmica envolvendo bebês reborn no Brasil gera debates sobre saúde mental, uso indevido de benefícios públicos e questões jurídicas. Enquanto alguns adultos viralizam ao tratar bonecos hiper-realistas como bebês reais, apenas para engajamento digital, outros demonstram um vínculo emocional genuíno, oferecendo benefícios terapêuticos para pessoas que enfrentam diversos diagnósticos.
No entanto, especialistas alertam que é necessário estabelecer limites, pois o apego excessivo pode distorcer a realidade. Com casos chegando à Justiça e propostas legislativas em discussão, o debate sobre bebês reborn continua a crescer.
“A compreensão jurídica desse cenário é complexa. Envolve um novo fato social e emocional, com valores em disputa, como o afeto, a maternidade simbólica, a liberdade de expressão e, simultaneamente, a autenticidade e a responsabilidade. A norma jurídica, que precisa ser interpretada ou atualizada em alguns casos, para lidar com essas situações, ainda não possui normas específicas no direito brasileiro”, explica o advogado e docente de direito do Centro Universitário UniRuy, José Vinicius de Santana.
É possível aplicar regras do Código Civil, Código Penal e Direito do Consumidor para abordar casos de abusos ou enganos envolvendo reborns. Por exemplo, se alguém simulasse uma situação com um reborn para mobilizar serviços públicos de forma indevida, como o SUS ou uma denúncia falsa, poderia haver responsabilização, embora cada caso seja analisado individualmente. O afeto pelos bebês reborn deve ser considerado por várias disciplinas, mas não pode ser confundido com as obrigações e garantias que o Estado e a sociedade devem às crianças reais.
Os primeiros reborns surgiram na década de 1990, atraindo o público pela sua realismo artístico. A função terapêutica desses bonecos, ainda não comprovada cientificamente, foi gradualmente reconhecida. Segundo a psicóloga clínica Bárbara Guimarães, o apego a bebês reborn pode estar associado a quadros de sofrimento emocional, como luto perinatal, infertilidade, ansiedade, depressão, demência ou isolamento social.
Eles podem desempenhar uma função terapêutica quando utilizados com intenção clínica supervisionada. Nesse contexto, um boneco reborn pode auxiliar na promoção da regulação emocional, na criação de uma sensação de companhia e na organização de rotinas. Como exemplo hipotético, consideremos uma mulher que perdeu um filho. O uso de um boneco reborn, integrado a um plano terapêutico de aceitação e elaboração do luto, pode facilitar o contato com a dor de maneira gradual e segura.
Além disso, em idosos com demência, o boneco reborn pode contribuir para o desenvolvimento de comportamentos de cuidado e afetividade. Essas observações são baseadas nas explicações de Bárbara Guimarães, psicóloga especializada no tema.
Processo de criação
Nesses 13 anos, Sheila Karine Carapiá de Souza, artista renomada no ramo dos bebês reborn, acumulou uma vasta experiência, tendo produzido mais de dois mil bonecos. Ela iniciou sua jornada criativa como uma forma de terapia durante um período de grave doença.
“Os médicos já haviam me informado que minhas chances eram mínimas. Nessa época, minha filha me pediu um bebê reborn. Como não tínhamos como comprá-lo, decidi fazê-lo para ela. Seria meu último presente”, relata Sheila. No entanto, a produção desses bonecos se transformou em uma terapia que, combinada com o tratamento médico, contribuiu significativamente para sua recuperação.
Sheila Reborn, como é conhecida, atende a diversos tipos de clientes, incluindo colecionadores, idosos com Alzheimer e crianças autistas. “Estes brinquedos são terapêuticos devido à sua alta realismo”, explica. “O nosso subconsciente responde a esses estímulos, proporcionando um sentimento de conforto e consolo. Diante da situação atual, sinto muito pesar, pois considero essa atitude muito irresponsável. Muitos dos casos recentemente divulgados não são autênticos, representando uma irresponsabilidade e uma forma de desrespeitar uma arte bela e significativa”, afirma.
Maria Bernadete dos Santos, dona de casa e mãe de Joyce, de 28 anos, que nasceu com paralisia cerebral, concorda plenamente. “As publicações na internet sobre bebês reborn são terríveis. A Sofia, a bebê reborn da minha filha, transformou nossas vidas. Joyce era muito agressiva, tanto consigo quanto com os outros. Quando finalmente conseguimos adquirir a boneca, houve um período de adaptação, mas quando chegou, mudou tudo: Joyce ficou mais falante, mais carinhosa e cuidadosa, e isso trouxe transformações positivas para toda a nossa família.”
Limites afetivos são cruciais para evitar distorções da realidade, conforme afirmam especialistas.
Psicóloga e mãe de Pietra, de 6 anos, Andréia Gomes destaca que os bebês reborn podem ser uma forma adaptada de enfrentamento em quadros de ansiedade e depressão, mas também podem desempenhar um papel importante na vida de crianças sem diagnósticos específicos.
O contato com bonecas oferece diversos benefícios, incluindo habilidades emocionais e sociais, coordenação motora, desenvolvimento da linguagem e estimulação da criatividade. As características mais realistas dos bebês reborn enriquecem ainda mais essa aprendizagem. Desde os 2 anos, Pietra tem a companhia da sua boneca Luna, demonstrando cuidado e afetividade que persistem até hoje.
A cabeleireira autônoma Edil Gomes de Oliveira, que possui sete bebês reborn, mantém uma relação com esses bonecos que combina o espírito de um colecionador e a terapia de um amigo. Ela sempre teve um apreço por bonecas, mas, como muitos, não teve muitas durante a infância. Ao descobrir os bebês reborn, Edil se encantou pela arte e pelos belos detalhes desses bonecos. Eles a confortam quando está com dor ou tristeza, trazendo-lhe grande satisfação.
Os benefícios dos bebês reborn são significativos, mas é importante estar atento para que esse vínculo não ultrapasse os limites saudáveis. Se a pessoa idealiza o bebê reborn como um objeto perfeito de amor e cuidado, projetando nele suas fantasias e desejos não realizados, isso pode se tornar uma forma de fuga da realidade, especialmente prejudicial para aqueles que enfrentam dificuldades emocionais ou pessoais. A psiquiatra e professora do curso de medicina do Instituto de Educação Médica (Idomed), Paula Colodetti, destaca essa necessidade de cautela.