A doença evoluiria para a pior pandemia desde a gripe espanhola, causando 7 milhões de mortes confirmadas globalmente na última meia década.
Cinco anos atrás, em 31 de dezembro de 2019, a cidade de Wuhan, na China, informou à Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre casos de pneumonia de origem desconhecida que geravam preocupação. Dois semanas depois, seria confirmada a existência de uma nova forma de coronavírus, denominada Covid-19. A doença evoluiria para a pior pandemia desde a gripe espanhola, causando 7 milhões de mortes confirmadas em todo o mundo nos últimos cinco anos. No Brasil, ao fim desses cinco anos, ficamos em segundo lugar no número total de mortes e sem planos para combater pandemias futuras.
No Brasil, o número de vítimas da doença por milhão de habitantes é de 3.399. É importante considerar essa proporção, pois países com maior população tendem a ter números mais altos de mortes. O país com a maior taxa de mortes por milhão de habitantes é o Peru, que ocupa o sétimo lugar no total acumulado, com 220 mil vítimas.
Ainda assim, o número de mortes no Brasil é considerado elevado. “Nós temos 10% das mortes mundiais, e não temos 10% da população mundial, então é possível ver uma desproporção”, diz o médico infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). O fechamento de comércios e de espaços como praias, cinemas e restaurantes, e o esvaziamento das cidades foram marcas dos primeiros anos da pandemia. Imagens de alguns dos maiores pontos turísticos globais, como a Fontana di Trevi, em Roma, ou a Torre Eiffel, em Paris, vazios, ganharam o mundo. “Todas as pandemias terminam da mesma forma, atingindo uma boa imunidade populacional”, explica o médico. A diferença é que se essa imunidade populacional vem associada à vacinação, não ao contágio, o número de mortes é menor. “Você pode atingir esse resultado com milhares de mortes ou milhões de mortes”, afirma.
Apesar das lições aprendidas na crise sanitária, a professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da USP, afirma que o Brasil não tem um plano de ação para enfrentar novas pandemias. “Não temos legislação específica para responder a emergências”, destaca. O país registra 10% das mortes globais pela Covid-19, mas tem apenas uma fração da população mundial. “É evidente que a doença afetou nossa população de forma desproporcional”, observa. A professora explica que a lei de fevereiro de 2020, que antecedeu a chegada da doença ao Brasil, se restringe exclusivamente ao coronavírus.
A professora destaca que a lei foi criada em um momento de pressa para repatriar brasileiros de Wuhan, mas defende que um arcabouço legal sólido é necessário para evitar que a resposta sanitária seja influenciada pelas preferências políticas do momento. “É fundamental que a resposta à imunidade de rebanho por contágio seja explicitamente regulamentada para evitar abusos”, afirma. No cenário internacional, a professora observa que os países enfrentam desafios para chegar a um consenso sobre como lidar com a pandemia no futuro. De acordo com a OMS, o mundo já contabilizou 776 milhões de casos da doença. O Ministério da Saúde, questionado pela reportagem, assegura que está comprometido com a preparação, vigilância e resposta a emergências em saúde pública. O departamento responsável por essa área foi reestruturado no ano passado para melhorar sua atuação em formação, inteligência e avaliação de riscos. A modernização do departamento segue as melhores práticas nacionais e internacionais, o que levou à sua reconhecimento pela OMS como centro colaborador para treinamento em emergências de saúde pública.
A vacinação desempenhou um papel fundamental na transição da Covid-19 da emergência de saúde pública internacional para a convivência com o vírus. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 87% da população brasileira recebeu ao menos uma dose do imunizante contra o coronavírus. Para Kfouri, um dos legados negativos da condução da pandemia foi a crescente desconfiança em relação às vacinas. Uma pesquisa do Instituto Ipsos, realizada em novembro de 2024, mostrou que 29% dos brasileiros possuem algum grau de medo em relação à imunização. “A pandemia e o surgimento de novas tecnologias vacinais criaram um ambiente propício para que grupos minoritários e barulhentos espalhassem essa ideologia, e vimos os índices de imunização de outras doenças também serem afetados”, disse ele. Ventura também alerta para o risco de esquecimento da pandemia. “A Covid-19 é cada vez menos lembrada, pois é inconveniente. Não há um dia de homenagem às vítimas no Brasil”, afirma. A Câmara dos Deputados aprovou a criação de um dia nacional de memória, mas a proposta não avançou no Senado. “Nós estamos esquecendo o que aconteceu, e ao esquecer, a história entra em disputa, e os mesmos erros podem ser cometidos novamente”, alerta Ventura. Em nota, o Ministério da Saúde defende que foram realizados investimentos em capacitação para gestores estaduais e municipais, formação de comitês operacionais de emergência e elaboração de planos de contingência. O ministério também destaca a inclusão da vacinação contra a Covid-19 no calendário nacional, que beneficiou gestantes e idosos, e a intensificação de campanhas para doenças como poliomielite, sarampo e coqueluche.
*Com informações de ANGELA BOLDRINI – Folha de São Paulo