A portaria nº 631, assinada pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira e publicada em 5 de novembro, acendeu um alerta vermelho entre especialistas em transparência, pesquisadores e juristas da área de acesso à informação.
O texto cria a figura da “informação sigilosa não classificada”, permitindo ao Itamaraty restringir o acesso a documentos mesmo sem ato formal de classificação — abrindo espaço para um tipo de sigilo potencialmente permanente, ilimitado e sem controle externo.Para estudiosos da Lei de Acesso à Informação (LAI), trata-se de um retrocesso sem precedentes desde a criação da legislação, em 2011.
A portaria, segundo eles, viola diretamente os princípios de publicidade, transparência ativa e controle social.A LAI prevê apenas três graus de classificação, ultrassecreto (25 anos), secreto (15 anos) e reservado (5 anos), sempre acompanhados de justificativa formal, prazo definido e registro público da decisão.
A portaria de Mauro Vieira rompe com esse sistema ao permitir que documentos:
- sejam bloqueados sem classificação,
- não tenham justificativa,
- não possuam prazo de revisão,
- e sequer precisem ser registrados como sigilosos.
“A portaria é contrária à LAI e precisará ser refeita. A lei não prevê e não autoriza sigilo sem termo de classificação.”Ele lembra que a lei foi criada justamente para impedir condutas como a que agora volta a aparecer: ocultar documentos indefinidamente, sem justificativa formal e sem possibilidade de contestação.A historiadora Beatriz Kushnir acrescenta que a ausência de registro impede até mesmo saber por quanto tempo o sigilo durará, ou se um dia acabará:
“Sem termo de classificação, não há prazo, não há controle, não há memória do motivo do sigilo.”Já o analista Bruno Morassutti, da Fiquem Sabendo, destaca que o problema não é o sigilo em si, necessário em diplomacia, mas o risco de sigilo perpétuo:
“O sigilo não pode ser eterno. Precisa ser controlado. A portaria, como está, não se compromete com a transparência.”Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirma que a portaria “preenche lacuna regulatória interna” e alega que ela está em conformidade com a Constituição e com a LAI. Especialistas rebatem: Se estivesse em conformidade, afirmam, não criaria hipóteses de sigilo inexistentes na legislação federal.O Itamaraty também diz que precisa de instrumentos de proteção de informações sensíveis. Entretanto, a LAI já prevê mecanismos formais e controlados para isso, justamente para impedir sigilos eternos ou arbitrários.A Controladoria-Geral da União (CGU), responsável por aplicar a LAI, afirmou que não foi consultada e preferiu não analisar a legalidade da norma.O receio entre especialistas é que a portaria marque o retorno da antiga “cultura do segredo” que predominou no Estado brasileiro antes de 2011. Sem justificativa, prazo ou registro, documentos podem ser trancados indefinidamente, ficando inacessíveis para:
- pesquisadores,
- jornalistas,
- historiadores,
- cidadãos,
- órgãos de controle,
- e até futuras administrações.
- entidades de transparência;
- acadêmicos;
- organizações da sociedade civil;
- e possivelmente do Ministério Público.










