Pelo menos cinco remunerações pagas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de outubro ultrapassaram, com ampla margem, o teto constitucional — limite que os próprios ministros afirmam defender e que a Corte costuma evocar como cláusula de integridade da administração pública. Os dados constam na folha disponibilizada pelo portal de transparência do STF e foram revelados pelo site Diário do Poder.
A Constituição Federal estabelece que nenhum servidor público pode receber valor superior ao subsídio mensal dos ministros do STF, hoje em R$ 46,3 mil brutos. No entanto, conforme registrado, houve pagamentos que superaram em até três vezes esse limite.
O caso mais expressivo é o de uma servidora que recebeu R$ 168,7 mil líquidos em outubro. O montante, incomum mesmo dentro do Executivo e do Judiciário, foi impulsionado por uma rubrica de “indenizações” no valor de R$ 164.709,91 — valor que, embora esteja listado na transparência, não teve explicação detalhada.
Outros servidores também receberam valores muito acima do teto.
Um técnico judiciário da gerência de recebimento e distribuição de recursos foi remunerado com R$ 53 mil, dos quais R$ 32 mil correspondem a licença-prêmio.
A licença-prêmio, benefício cada vez mais questionado por especialistas em gestão pública, é um dos mecanismos que, quando convertido em pagamento acumulado, costuma gerar distorções expressivas nas folhas dos tribunais superiores.
Já no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou recentemente, houve pagamento de R$ 72,9 mil a uma analista judiciária. O valor também ficou muito acima de qualquer parâmetro remuneratório previsto para servidores ativos.
Até mesmo aposentados receberam cifras incomuns. Um técnico judiciário aposentado recebeu mais de R$ 133,3 mil no período — valor que reforça a discrepância entre o teto estabelecido pela Constituição e a prática remuneratória dentro da Corte.
O teto constitucional é frequentemente utilizado pelo Supremo como referência para decisões que versam sobre gastos públicos, moralidade administrativa e limites remuneratórios. Em decisões recentes, a Corte tem reafirmado a tese de que o teto é um instrumento essencial para a contenção de privilégios e para a preservação do equilíbrio do Estado.
Na prática, porém, a própria instituição apresenta casos que contrariam esse discurso.
Grande parte dessas remunerações elevadas é atribuída a verbas classificadas como “indenizatórias”, o que acaba permitindo que tais valores não sejam contabilizados dentro do limite legal.
Essa interpretação, embora usada por diversos órgãos públicos, é alvo de críticas de juristas, economistas e auditores, que apontam que o mecanismo tem sido explorado para driblar a Constituição por meio de benefícios acumulados, gratificações e pagamentos retroativos.
Procurado pelo Diário do Poder, o STF não esclareceu a razão específica dos pagamentos nem detalhou quais tipos de indenizações foram incluídas nos valores mais altos.
A ausência de resposta alimenta questionamentos sobre transparência e consistência administrativa dentro da Corte.
Para especialistas em administração pública, o problema não está apenas nos altos valores, mas na falta de padronização e clareza sobre o que compõe cada pagamento — especialmente quando verbas indenizatórias se tornam mais altas que qualquer salário permitido pela Constituição.









